Recentemente li The End of Advertising (O fim da propaganda, ainda sem tradução em português), do (ex-)publicitário Andrew Essex.
Parece irônico que um publicitário decrete a morte da propaganda desse jeito. Mas vale ressaltar que estamos falando aqui de apenas um “pedacinho” do mix de comunicação de marketing, que envolve uma gama enorme de possibilidades.
As aspas porque, apesar de ser apenas uma das ferramentas possíveis, essa propaganda de interrupção à qual nós nos habituamos é responsável por mais de 580 bilhões de dólares investidos anualmente. Dos quais, segundo os próprios profissionais da área, pelo menos 50% é jogado no lixo com mensagens ineficazes, ou porque as pessoas estão simplesmente muito ocupadas para perder tempo vendo anúncios.
Sendo também um publicitário, vi as ideias de Andrew ressoarem fortemente com o que eu acredito. A seguir, um breve resumo dessas ideias.
O início
A televisão, uma invenção do início do século XX, popularizada nos lares americanos e britânicos após a Segunda Guerra, foi desde o início uma mídia para vender produtos, acima de qualquer outra finalidade. O conteúdo estava lá para servir a esse propósito.
A maioria das pessoas já ouviu o termo soap opera – “novela”, em inglês. Esse tipo de programa se popularizou nos anos 1930, na TV e no rádio, e ganhou esse nome porque, naquela época, as grandes fabricantes de produtos de higiene e limpeza como a P&G e a Colgate-Palmolive patrocinavam os programas. As novelas foram criadas para isso: cada episódio, geralmente de 15 minutos, trazia no início e no final um anúncio de um ou dois minutos. Pois é. “Marketing de conteúdo” e “conteúdo patrocinado” têm só uns 90 anos.
De lá para cá, a indústria da propaganda usou e abusou desta fórmula: conteúdo (programas) e interrupção, os chamados “reclames” (anúncios). E adaptou esta fórmula com a chegada desta incrível nova mídia chamada internet.
Bloqueadores de anúncios e o começo do fim
Andrew coloca a insurgência dos “ad blockers” como o ponto central da derrocada.
Quando as agências resolveram inundar a web com o mesmo modelo de interrupção trazido da TV e do rádio, não contavam com a vingança dos nerds.
Rapidamente, os bloqueadores de anúncios foram criados, na forma de extensões de navegador ou, mais recentemente, apps no celular. Para o desespero de nove entre dez profissionais de propaganda, é possível hoje ignorar por completo os anúncios virtuais.
E não é difícil enxergar que esta é uma tendência que deve extrapolar os limites da internet e “contaminar” sua irmã mais velha, a TV, que é cada vez mais digital.
Netflix e o oásis do esporte ao vivo
Conforme a televisão se torna digital, ou seja, cada vez mais baseada em dados como a internet, a tendência é que os bloqueadores de anúncio se façam presentes também nessa mídia. Muito em breve, poderemos baixar um app bloqueador de anúncio na TV da mesma forma que fazemos no celular (isso se tudo não virar uma coisa só – celular, computador e televisão talvez sejam um “sistema único”, disponível em “tamanhos diferentes de tela”).
Por outro lado, o enorme crescimento dos serviços pagos de conteúdo como Netflix, Hulu, HBO Go e Amazon Prime Video, onde você assiste filmes e séries sem anúncios, confirmam a teoria de que as pessoas estão dispostas a pagar para não terem que conviver com a interrupção da propaganda.
Como contraponto, Andrew coloca um fator importantíssimo que se revela a última grande resistência da propaganda de interrupção: o esporte ao vivo.
Um exemplo clássico é o Super Bowl, a grande final do futebol americano que acontece anualmente. O gráfico abaixo mostra a evolução do gasto total em propaganda neste evento desde 1967 até hoje, com valores já ajustados pela inflação:
E esse fenômeno não é exclusividade do futebol americano, mas de todos os esportes populares. Como explicar? Minha teoria é simples: o esporte é um dos poucos tipos de entretenimento que não queremos assistir on-demand. Queremos o frescor do momento; precisamos acompanhar e compartilhar – seja pessoal ou virtualmente – esse jogo com a família e os amigos enquanto ele acontece. E onde há muitos olhos atentos ao mesmo tempo, há propaganda.
Ok, e agora?
Então, se a propaganda como conhecemos está com os dias contados, o que fazer para capturar a atenção do consumidor?
Andrew menciona alguns cases de sucesso muito interessantes. Alternativas inteligentes à propaganda tradicional.
O Citi Bike, por exemplo, foi um projeto iniciado em Nova York em 2011. Levou quase dois anos para ser implementado, afinal era algo extremamente novo e arriscado. Mas deu certo: colocou mais de 10 mil bicicletas com a marca do Citibank nas ruas da cidade, trouxe um retorno enorme em mídia espontânea e elevou a imagem de marca do banco a níveis inimagináveis. Hoje, vemos clones desse projeto em várias cidades no mundo todo, incluindo São Paulo.
Lego Movie é outro exemplo – neste caso, de conteúdo patrocinado, como eram as novelas lá no início. A diferença é que milhões de pessoas pagaram para entrar em uma sala de cinema e assistir a um ótimo “comercial de duas horas”. Sim, o filme foi encomendado pela empresa de brinquedos para ser uma peça de marketing, portanto se ficasse no zero a zero já sairia no lucro; porém a produção, que custou 60 milhões de dólares, faturou mais de 468 milhões no mundo todo, segundo o IMDB.
Resumindo, existem inúmeras possibilidades para as marcas se relacionarem com as pessoas, fazendo melhorias no espaço urbano, criando conteúdo realmente interessante, ou seja, adicionando valor de verdade na vida das pessoas. Como diz Andrew, “as marcas podem fazer do mundo um lugar melhor, e podem vender mais produtos com isso.”
O mix de comunicação de marketing é composto de muitas ferramentas e a propaganda é apenas uma delas. Porém, é a que toma a maior parte do bolo do investimento em comunicação, e essa distribuição precisa mudar.
O fim da propaganda como conhecemos não é ruim – até o dia do juízo final, ainda precisaremos vender coisas. É apenas uma mudança de paradigma, uma oportunidade para nos reinventarmos e, talvez, criarmos uma relação diferente com as marcas e o consumo.